As áreas mais cobiçadas do Brasil | | | |
Escrito por Rose Domingues / Cleber Gellio |
Sex, 22 de Junho de 2012 19:50 |
Apaixonado pela terra, o produtor Gilmar Dell’Osbel planta 1,6 mil ha e arrenda cerca de 2 mil ha, 100% de pastagens degradas que estão sendo transformadas em agricultura (arroz e soja). Os grandes entraves para acelerar a produção hoje são: limpeza das áreas e obtenção de licenças junto aos órgãos ambientais
Nos últimos três anos, as regiões do Araguaia e Xingu se tornaram a última fronteira agrícola de Mato Grosso. A grande procura elevou os preços das terras em mais de 300%
O produtor Gilmar Dell’Osbel chegou há 13 anos à região do Vale do Araguaia. Na época o desmatamento ainda era permitido e o município de Querência estava praticamente intacto. De lá para cá muitas transformações aconteceram: 40% de 1,785 milhão de hectares da área total foram transformados produção agropecuária. Mas os preços das terras que há três anos não ultrapassavam R$ 7 mil por ha, já chegam a R$ 25 mil, mesma média das cidades mais ricas de Mato Grosso e do Brasil. Em Sorriso (que tem hoje a maior área plantada do Brasil, com mais de 600 mil ha só de soja), por exemplo, algumas propriedades foram comercializadas a uma bagatela de R$ 55 mil por ha devido à junção dos fatores qualidade do solo agricultável e excelente infraestrutura. Tanto o Araguaia quanto as cidades do Xingu devem passar pelo mesmo processo de supervalorização, claro, desde que haja melhorias nas condições de escoamento da produção e no transporte dos insumos.
Para o corretor Wilson Fucks, a corrida em busca de terras em Querência (mil km de Cuiabá) modificou bastante o mercado imobiliário, que está atualmente mais restrito ao corpo a corpo, vizinho que incorpora e troca. Ou seja, está cada vez mais difícil fazer negócios. É que ninguém mais quer deixar a região cujo crescimento é acelerado. Por isso está mais fácil comprar terras com a mesma qualidade um pouco acima, em municípios da última fronteira agrícola que compreende principalmente São José do Xingu e Santa Cruz do Xingu, que estão cercados pela Floresta Amazônica. Também são bem cotadas algumas áreas em Alto da Boa Vista, São Félix do Araguaia, Confresa, Porto Alegre do Norte. No Xingu o preço médio do hectare já foi R$ 1 mil, mas em dois anos subiu para R$ 7 mil, com 60% a 70% de abertura. Em São Antônio do Fontoura, distrito de São José do Xingu, fala-se em R$ 9 mil por ha em área de pasto degradado.
De ‘patinho feio a cisne’. O prefeito de Querência, Fernando Gurgen, um gaúcho de modos muito simples e ligeiro com as palavras, confirma que a região antes abandonada hoje é vendida por pelo menos 550 sacas de soja, ou R$ 24 mil por ha. O preço dobrou de 2010 para 2011, e a tendência é manter a alta dos preços este ano. A cidade cresceu e é uma das quatro que mais se desenvolveram no Estado, o aumento populacional também expandiu o comércio. A tendência é se equiparar às cidades com altos níveis de desenvolvimento, como Lucas do Rio Verde, Sinop e Sorriso, pois a maioria dos compradores vem justamente da região norte e já não tem mais para onde expandir. “Ao contrário do que ‘falsos’ ambientalistas divulgam, as terras utilizadas são 100% de pastagens degradadas, áreas já abertas. Não há risco para a Amazônia”. O prefeito de São Félix do Araguaia, Filemon Gomes Limoeira, que é vice-presidente da Associação Mato-Grossense dos Municípios (AMM), pontua que dois anos atrás a localidade – que fica a apenas alguns quilômetros de Querência - utilizava 17 mil ha para produção agrícola, e que neste ano a estimativa é que chegue a 132 mil ha, oito vezes mais. O que significa uma ‘explosão’ da agricultura, mas ainda há fatores que emperram o desenvolvimento, entre eles, a infraestrutura é o principal. O asfaltamento da BR-158 e a chegada da ferrovia são demandas urgentes. A maioria das estradas vicinais é de chão, e são por elas que passam caminhões bitrens com pelo menos 60 mil quilos de grãos. “Estamos esperando há 40 anos pelo asfalto, estamos confiantes que agora sai”.
ABENÇOADA POR NATUREZA
“Moro num país tropical, abençoado por Deus. E bonito por natureza (...)”. A música de Jorge Bem Jor bem que poderia ser adaptada para explicar a vocação agrícola das regiões leste e nordeste de Mato Grosso. Após décadas de pecuária extensiva, os 3,1 milhões de ha de latossolo (bom para sojicultura por ser mais argiloso e fértil, apto para fazer correções com calcário) disponíveis podem dobrar a produção mato-grossense e consolidar o país como o segundo fornecedor mundial da commodity. O superintendente do Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea), Otávio Celidonio, pontua que o Estado tem várias vantagens em relação ao Sul do país e a outros grandes produtores, como Argentina e Estados Unidos. “Aqui não temos problemas climáticos de grandes proporções. O solo é bem drenado e tem boa estrutura, por isso sofre menos com a ação do tempo se comparado às regiões temperadas, além disso, é um solo mais jovem, que não perdeu nutrientes com excesso de chuva e calor”.
Outros fatores que pesam na hora da utilização do solo para produção agrícola são: altitude e ciclo de chuvas. Se a altitude for baixa, por exemplo, é ruim para a soja. Em outras palavras, mesmo que quisesse despontar no cenário produtivo, a Baixada Cuiabana ou o Vale do Guaporé não conseguiria em razão da condição geográfica. Já o milho requer uma altitude ideal de 900 metros, o que quase nenhum município mato-grossense possui. A Serra da Petrovina, às margens da BR-364, a 65 km de Rondonópolis, é um excelente ponto de produção. O ‘segredinho’ são as baixas temperaturas no período da noite. O especialista ensina que a planta tem dois processos básicos para sobreviver, fotossíntese (que depende de luz) e respiração (CO2 ou dióxido de carbono), processo em que transforma carboidrato em alimento. As temperaturas mais baixas no período da noite ajudam porque não forçam a planta a gastar todo o carboidrato da fotossíntese, assim ela deposita mais na semente e cresce rápido. Sobre o milho safrinha, ele requer chuva no início de outubro até abril, altitude e nenhum tipo de ‘veranico’ (estiagem durante a estação chuvosa, com dias de calor intenso e insolação), pois dezembro, janeiro e fevereiro são meses críticos no desenvolvimento da planta.
CELEIRO DO MUNDO
Apenas 7% do território mato-grossense é destinado à agricultura. Conforme dados do Ministério da Agricultura e do Imea, do total de 9,2 milhões de ha úteis para a agricultura, 8,3% são para produção de soja e algodão. Outros 30% compreendem a cadeia produtiva (pastagens e outros) e 62% são reservas florestais - mais de 30% unidades de conservação e as demais terras indígenas. Em 2008, conforme Otávio Celidonio, 26 milhões de ha eram utilizados como pasto, dos quais 9,2 milhões de ha de latossolo (terra boa para agricultura). Ainda há muitas terras ‘abertas’ para serem exploradas, que fazem de Mato Grosso uma potência na produção de alimentos e com grande perfil de comércio externo, interestadual e internacional.
Só na região nordeste, que é a maior área de pastagens degradadas do Estado, as plantações de soja duplicaram entre 2007 e 2011, saltando de 445,5 mil para 953,8 mil ha. O aumento médio da produção foi de 4,8% em relação à safra 2011/12, saltando dos 7,07 milhões de ha para 7,41 milhões, o que pode ser a maior área de soja do Estado de todos os tempos. O secretário de Agricultura de Querência, Daltro Barbosa, afirma que, quando assumiu o cargo, em 1996, não se plantava nem 5 mil ha. Entre 2000 e 2002, a produção chegou a 100 mil ha. Este ano deve atingir 300 mil ha de soja e arroz, principalmente. Querência tem uma área de 1,785 milhão de ha, a reserva do Parque Xingu ocupa 38% da área, sobram 1,1 milhão agricultável. “Mesmo com as restrições trazidas pelo novo Código Ambiental sobre as áreas de transição cerrado para Amazônia ainda temos muito que crescer”.
EXPECTATIVAS x LIMITAÇÕES
O presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado de Mato Grosso (Aprosoja), Carlos Henrique Fávaro, pontua que a escassez de infraestrutura para o abate de gado e o esgotamento dos pastos desestimularam a atividade de corte na região nordeste. As novas culturas surgiram da necessidade para recuperar o solo e manter a bovinocultura. “Se as obras acontecerem, a produção será viabilizada. Se não, o Brasil continuará patinando”, diz o produtor, referindo-se às rodovias BR-80 e BR-158 e à Ferrovia de Integração do Centro-Oeste, projetos federais cujas conclusões estão previstas para daqui a três anos. Tais obras são essenciais para dobrar a produção estadual de soja na região nordeste nos próximos cinco anos, equiparando-se às regiões norte e médio-norte. Haveria, deste modo, dois polos da oleaginosa, separados pela reserva ambiental do Xingu. Mas, por enquanto, a soja sai do Estado por Goiás, via rodovia, e uma barcaça segue por hidrovia. Os problemas continuam e as expectativas crescem. “É preciso que a MT-326 (Rodovia do Calcário) seja asfaltada, a partir dela chega o calcário a esta região, insumo básico para a preparação das terras para o plantio”. Também são necessários investimentos na BR-158 e BR-080, em ferrovias e hidrovias.
‘OCUPAR PARA NÃO ENTREGAR’
Esse era o lema do governo militar para a ocupação da Amazônia brasileira na década de 70. Com a construção de rodovias, como a BR-163, que liga Cuiabá (MT) a Santarém (PA), e estímulos para aquisição de terras, atraíram à região milhares de famílias geralmente vindas do Sul do Brasil. Os migrantes tinham o compromisso de ‘limpar’ metade dos terrenos cedidos pela União, pois somente com o desmatamento das áreas, moradia e atividade agropecuária, os colonos recebiam os títulos definitivos das propriedades. Em Querência, que iniciou sua colonização em meados de 1986, não foi diferente. As famílias que chegavam direcionavam suas atividades à agricultura, pecuária e extração de madeira. Logo, as consequências ambientais vieram à tona expondo as degradações das Áreas de Preservação Permanente (APPs), assoreando as cabeceiras, nascentes de córregos e rios, e diminuindo as reservas nativas. Com o passar dos anos e diversas alterações na legislação ambiental, datada de 1965, o município foi penalizado. Figurou entre os 43 maiores desmatadores da Floresta Amazônica na ‘lista negra’ do Ministério do Meio Ambiente (MMA), criada em 2007. Mas a partir de 2011 a situação começou a se reverter e Querência foi o primeiro município do Estado e segundo do país a sair da lista. O município conseguiu comprovar sua regularização por meio do programa MT Legal e do projeto municipal Querência Mais, no qual os produtores deram início à recuperação de 40 mil ha de APPs. O projeto conta com o apoio do Grupo de Restauração e Proteção à Água, Flora e Fauna (GRPAFF), fundado em 2007 por jovens filhos de produtores locais. “Após uma visita de campo realizada pelo grupo tivemos a oportunidade de conhecer uma mata ciliar com o ambiente totalmente natural e virgem, e posteriormente uma área degradada, pudemos ver e sentir a diferença na qualidade do ar, no solo e na presença de animais”, conta o presidente da entidade, Daniel Freitas Almeida, que acompanhou a equipe da Única durante visita a uma propriedade onde é executado esse trabalho.
Com a conversão para agricultura e isolamento das margens,
o córrego que media 1,5 metro de largura já atinge 60m, 10m
a mais que o mínimo exigido por lei
No passado a área era toda tomada pelo gado que degradava a vegetação para beber água no córrego que corta a fazenda e que quase secou. Com a conversão para agricultura e isolamento das margens, onde antes só havia bovinos, atualmente, nos 200 ha de terra há o cultivo de milho, dos quais 8 hectares de matas ciliares. O córrego que media 1,5 metro de largura já atinge 60m, 10m a mais que o mínimo exigido por lei. “Hoje os proprietários estão usando melhor o solo. Quem tem gado está confinando ou corrigindo as pastagens para não acontecer o mesmo”. Daniel explica que entre solos recuperados ou em recuperação já somam 500 ha. Cada serviço chega a custar cerca de 4 mil reais por ha, mas com a parceria do grupo o valor reduz quase a zero. “O proprietário entra apenas com algum maquinário disponível entre outros suportes de estrutura da propriedade”.
SUSTENTÁVEL SIM, SENHOR!
Você já imaginou uma quadra esportiva com diversas equipes de diferentes modalidades disputando uma mesma competição e todas se sagrarem campeãs? Pode parecer impossível, mas algo parecido vem acontecendo no espaço da agropecuária brasileira. Isso porque iniciativas sustentáveis permitem que os alimentos sejam produzidos em maior quantidade em menos espaço. É a chamada integração Lavoura-Pecuária-Floresta (iLPF). Em consórcio, rotação ou em sucessão, a modalidade comporta a produção de grãos, fibras, carnes, leite, agroenergia e árvores em uma mesma área, o que desperta Brasil afora o interesse de muitos produtores. É o caso de Neuri Wink, de 49 anos, que em 2009 iniciou o sistema em sua propriedade localizada em Querência. De uma área de 1.100 hectares em produção, antes toda ocupada pela soja, ele destina 200 ha à iLPF.
“Se eu continuasse produzindo apenas soja teria um rendimento de 200 mil sacas anuais. No atual sistema agrego à produção mais 20 mil sacas de milho e 800 cabeças de gado para recria, das quais 400 cabeças de desfrute anual, além disso, favoreço o meio ambiente e não viro refém do mercado da soja”, afirma Neuri Wink, que destina 200 ha – de um total de produção de 1.100 ha – à integração Lavoura-Pecuária-Floresta (iLPF)
O trabalho conta com o acompanhamento da Embrapa Meio Ambiente (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e Instituto Socioambiental (ISA). “Tenho implantado o sistema de forma gradativa. No começo foi um desafio porque poucos sabiam das técnicas e acreditavam no método. Muitos colegas chegaram a me chamar de maluco. Hoje, mesmo que em pequena escala, vejo o quanto a utilização racional da terra é essencial para o desenvolvimento sustentável”. A integração na fazenda é feita com o milho. O plantio do cereal é semeado em consórcio com a braquiária e, após a colheita, o capim está abundante ao gado. Depois de um ano com os animais soltos no pasto a terra volta à produção de soja.
Wink afirma que, além de proteger o solo e produzir matéria orgânica evitando erosões e assoreamentos da águas, os resultados quanto à fertilidade e produtividade o surpreenderam. “Se eu continuasse a produzir apenas a soja, teria um rendimento de 200 mil sacas anuais. No atual sistema agrego à produção mais 20 mil sacas de milho e 800 cabeças de gado para recria, das quais 400 cabeças de desfrute anual”. Dessa forma ele também se sente mais tranquilo, pois conta com fontes de renda diversificadas e não fica refém da volatilidade do mercado da soja. Além disso, o produto final chega à mesa do consumidor cada vez mais barato em razão da maior oferta.
BOAS IDEIAS
Trator prepara o solo em conversão de pastagem para agricultura. Em três anos, Mato Grosso teve uma redução de pelo menos 800 mil ha de pastagens que deram espaço para a soja e o milho. A mudança é mais evidente na região do Araguaia
A pecuária, que antes era um problema ao meio ambiente, por conta da emissão de gases de efeito estufa, com o manejo correto possibilita a preservação das reservas florestais e matas ciliares. O pastejo rotacionado é considerado um pré-confinamento em que após o pasto os animais são engordados pelos resíduos que sobram da classificação dos grãos. Outro método aplicado é o plantio direto (em que a palha e os demais restos vegetais de outras culturas são mantidos na superfície do solo, garantindo cobertura e proteção contra processos danosos como a erosão). Estima-se que atualmente, devido a essa boa prática preservacionista, o Brasil retenha no solo cerca de 17 milhões de toneladas de carbono. O produtor Neuri também tem investido no plantio de florestas. Em sua propriedade já destinou 4 ha para as seringueiras. Os custos, se comparados a outras culturas, são baixos e ele ainda utiliza a estrutura da fazenda. “Não justifica deixarmos mais de um hectare de terra para apenas uma cabeça de boi pastar e o solo ocioso por tanto tempo”.
O engenheiro florestal e presidente da Associação de Reflorestadores de Mato Grosso (Arefloresta), Fausto Takizawa, pontua que as florestas plantadas sequestram cerca de 2,7 toneladas de carbono por hectare/ano. No entanto, a área de Mato Grosso ainda é ínfima comparada à nacional. São cerca de 200 mil ha, dos quais 100 mil com eucalipto, 60 mil com teca, 45 mil com seringueira, 3 mil com pau de balsa e outros 14 mil compreendem outras espécies. No restante do país o cultivo chega a 7 milhões de hectares conforme dados da Associação Brasileira de Produtores de Florestas Plantadas (Abraf). Hoje a falta de políticas públicas é o maior entrave para a expansão das florestas no Estado. “Precisamos de uma política florestal que resolva os problemas nos aspectos fundiários, ambientais, logísticos, tributários, que contemplem empresas interessadas a investir na região”.